No Reino Unido, tal como em Portugal, existem procedimentos que levam a que possa ser solicitado aos fornecedores de acesso Internet (ISP, Internet Service Providers) o barramento de acesso a determinados sites, por alegação, entre outros possíveis delitos, de distribuição de material protegido por direito de autor, vulgarmente designado por "pirataria". Este barramento é feito, no Reino Unido, exclusivamente em dependência de uma ordem judicial - "
(...) BT [ British Telecom] will only block access to websites engaged in copyright or trademark infringement when ordered by a court to do so.(...)" . Mais ainda, tal é reforçado, sobremaneira, pela designada "
Emenda 138" da legislação europeia, ref.
directiva 2002 / 21 / EC, que indica, explicitamente, que nenhum barramento de acesso a informação pode ter lugar sem intervenção judicial.

Em Portugal os barramentos são solicitados aos fornecedores de acesso a pedido da
Inspecção Geral das Actividades Culturais (IGAC), uma entidade oficial da República, que, desde 2011, está sob tutela directa da
Presidência do Conselho de Ministros. O IGAC rege-se, desde 2012 e actualmente, pelo
Decreto Regulamentar n.º 43/2012, de 25 de Maio que, no seu artigo 2.º, alínea b), aponta como uma das missões e atribuições: "(...) Exercer a atividade de supervisão, fiscalização e monitorização na área do direito de autor, dos direitos conexos, dos espetáculos de natureza artística e dos recintos fixos destinados à sua realização; (...)" .
Estes pedidos de barramento são feitos tendo por base não uma acção directa da IGAC, como é estipulado ser sua missão, mas através de listas de sites a barrar que são produzidas por uma associação, o
Movimento Cívico Anti Pirataria na Internet (MAPINET) . Mais ainda, a implementação de tal barramento decorre sem qualquer intervenção ou ordem judicial.
Este recurso a uma associação foi estabelecido através de um "memo" de entendimento, assinado a 30 de Julho de 2015, no
CCB, com a presença do secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, e do ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro.
Segundo a IGAC este "memo" de entendimento, formalmente entitulado "
Memorando de Entendimento - Proteção de Direito de Autor e Conexos em Ambiente Digital" foi assinado, pela "(...) Inspeção-Geral das Atividades Culturais, pela Direção-Geral do Consumidor, pela Associação dos Operadores de Telecomunicações em representação dos seus associados, pelo Movimento Cívico Anti Pirataria na Internet em representação dos seus associados (Associação Fonográfica Portuguesa; Associação Portuguesa de Editores e Livreiros; Associação Portuguesa de Imprensa; Associação para a Gestão e Distribuição de Direitos; Associação Portuguesa de Software; Associação Portuguesa de Defesa de Obras Audiovisuais; Cooperativa de Gestão dos Direitos dos Artistas, Intérpretes ou Executantes; Associação para a Gestão de Direitos de Autor, Produtores e Editores; e Gestão de Conteúdos dos Media), pela Associação Portuguesa das Agências de Publicidade, Comunicação e Marketing, pela Associação Portuguesa das Agências de Meios, pela Associação Portuguesa de Anunciantes, pela Associação dns.pt e por associações de defesa dos consumidores. (...)"
Estranha-se como pode a IGAC, uma entidade oficial da República, delegar, por "proxy", numa associação (seja ela qual for, ou composta por quem quer que seja) a produção de listas que determinam, sem intervenção judicial, o barramento de sites que os fornecedores de acesso Internet devem implementar junto dos seus clientes.
Consultando o site da associação MAPINET encontra-se, na respectiva
secção de notícias uma referência a um
artigo do Tek SAPO, assinado por Fátima Caçador, onde é indicada a metodologia (?) usada na produção das listas que ditam o barramento de sites: "(...) O critério base para que os sites sejam bloqueados é a identificação de, pelo menos, 500 conteúdos ilegais, ou de dois terços do repositório com obras piratas (...)" . Como pode uma associação determinar a legalidade do que quer que seja? Não é essa uma competência exclusiva do sistema judicial? E, mais grave, como pode uma entidade tutelada pela Presidência do Conselho de Ministros usar estes recursos para forçar o barramento de determinados sites? E porquê 500 conteúdos e não 50 ou 5000? E qual é a definição unitária de conteúdo? Tantas perguntas além destas, tantas...
Mais ainda, tecnicamente o barramento é feito tendo por base o impedimento da resolução de nomes nos servidores de DNS de cada fornecedor de acesso. É uma trivialidade alterar nas configurações de qualquer terminal de acesso os servidores de DNS de um determinado fornecedor de acesso por outros, como sejam, por exemplo os
servidores públicos e gratuitos do Google, tornado inútil, e até patético, o esforço e evangelização moral e económica desta associação e desta missão.
Tenho o maior respeito pela protecção de direito de autor, até porque sou, em fotografia, em video e em texto, criador e autor há mais de 2 décadas e meia (publiquei pela primeira vez, nos idos de 1989, no Diário de Notícias). Mas não posso compreender este processo, em que, repito, uma entidade da República usa, por "proxy", uma associação para ditar, sem qualquer validação judicial e sem uma metodologia pública e auditável, os barramentos que os fornecedores de acesso internet devem implementar junto dos seus clientes.