24 Oct 2019

Catalunha e Espanha - Factos e Contextos

https://www.youtube.com/watch?v=v5lDYDPg2IA
Deixam-se abaixo alguns factos e contextos sobre Espanha, no âmbito relevado pelos acontecimentos das últimas semanas na capital da comunidade autónoma da Catalunha, Barcelona - e que emanam das acções e consequências do "referendo" de 9 de Novembro de 2014 nessa mesma comunidade.

Primeiro: a não existência de uma língua espanhola. Não existe. E não é, de todo, uma questão detalhística ou semântica - está definida clara e explicitamente no artigo 3.º da respectiva constituição de 1978, como sendo o castelhano ( "El castellano es la lengua española oficial del Estado" (sic) ). A língua oficial de Espanha não é, de facto, o "espanhol". Apesar de muito se repetir que assim é, o "espanhol" não existe sequer como língua no singular, mas antes no plural, i.e., línguas espanholas, e que abarcam, actualmente, além do castelhano, as outras três línguas oficiais das suas comunidades autónomas: catalão, basco e galego.

Bombardeamento de Barcelona, 17 de Março de 1938
Segundo: o facto de Espanha, há apenas 8 décadas, ter vivido uma devastadora e atroz guerra civil, de Julho de 1936 a Abril de 1939, ou seja ao longo de 2 anos e 8 meses, onde morreram dezenas de milhar (!) de pessoas. Barcelona, em particular, foi bombardeada, por meios aéreos, "importados" de Itália, de 16 a 18 de Março de 1938, acção de que resultaram 1.300 mortos e 2.000 feridos. Sem esquecer a memória de Guernica, deixada na arte de Pablo Picasso, retratando em tela o bombardeamento, a 26 de Abril de 1937, por meios aéreos "importados" da Alemanha, de tal localidade do País Basco, a cerca de 2 dezenas de quilómetros a leste de Bilbao.

Madrid, Palacio de las Cortes, 23 de Fevereiro de 1981
Terceiro: em 23 de Fev.º de 1981, conduzido pelo oficial Antonio Tejero, Espanha teve um Golpe de Estado, que ficou conhecido pelo "23-F". Este mesmo oficial conduziu 200 operacionais da Guarda Civil, armados, e tomou de assalto o Palacio de las Cortes em Madrid, durante a votação destinada a eleger o Primeiro Ministro, com disparos a terem sido efectuados em plena sala do parlamento. Em paralelo, sob comando do oficial Jaime Milans del Bosch, 2 mil homens e 5 dezenas de blindados, tomaram a sede do Ayuntamiento e o Tribunal de Valencia. O golpe viria a fracassar no dia seguinte, 24 de Fev.º . Este foi o golpe de estado cronologicamente mais recente na História e na Geografia da Europa Ocidental. Há apenas 3 décadas.

GAL e ETA
Quarto: o facto de Espanha apenas em 2018 ter deixado de ter, formalmente, a acção/existência de grupos armados independentistas. Recorda-se que a ETA ("Euskadi Ta Askatasuna"), formada em 1959, e com acções em prol da independência do País Basco, entre 1968 e 2010, que mataram mais de 800 pessoas, e, após vários períodos e anúncios de cessar fogo, apenas em 2018, decretou a sua total dissolução operacional. Não menos importante, e em resposta à ETA, recorda-se a existência dos GAL ("Grupos Antiterroristas de Liberación"), que durante o período conhecido como "La guerra sucia", de 1983 a 1987, resultaram na morte de 27 pessoas e ferimentos em 26. Ou seja, há escassas 3 décadas, luta armada em tornos de uma das comunidades autónomas de Espanha.

Ou seja, e permitido um breve "sumário-conclusivo": Espanha tem um passado, vivo e (muito) recente, de conflito interno e armado. Espanha não tem uma língua comum a todas as suas comunidades autónomas (que são 17) com tudo o que isso representa e implica. Não tratem o que está a suceder nas ruas de Barcelona, a capital de uma comunidade autónoma de Espanha, com um língua diferente, e com mais de 7 milhões de habitantes, e com um PIB superior a 200 biliões de EUR, que ocupa mais de 32 mil quilómetros quadrados, como uma pequena indisposição. E não confundam sintomas, nem os aligeirem, face a doenças. Graves. Letais.

12 Aug 2019

Detalhes e um passo ainda mais atrás...

A Sra. Raquel Varela, historiadora e investigadora, doutora em História Política e Institucional (ISCTE) e presidente da "International Association Strikes and Social Conflicts", escreve hoje, sobre a expressão em uso pelos representantes e associados do Sindicato dos Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) e do Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias (SIMM) como sendo "(...) o grito dos estivadores de Setúbal "Nem um Passo Atrás" (...)"

 - a expressão remonta a outro enquadramento, expresso na Ordem Executiva, assinada por I. Stalin, com o Número 227, datada de 28 de Julho de 1942 .

"(...) A partir de agora, a lei férrea da disciplina para cada agente, soldado ou comissário político deve ser ‘nem um passo atrás!’ sem ordens superiores. Comandantes de companhias, batalhões, regimentos ou divisões, tal como comissários ou oficiais políticos que retirem em debandada sem qualquer ordem superior são traidores da pátria. Vão ser tratados como traidores da pátria (...)"

Conhecido é que o cumprimento desta ordem levou a muitas execuções sumárias (milhares),  e em plena acção no campo de batalha.

Tal como conhecido é que o emissor desta mesma ordem executiva foi, apenas 3 anos antes, aliado estratégico e operacional da Alemanha no ataque à Polónia, e na ocupação dos estados bálticos, da Roménia e da Finlândia, em resultado do Pacto Molotov–Ribbentrop. Detalhes.

Destaco que me é, neste âmbito, totalmente irrelevante o tema sindical em presença. Apenas procuro evidenciar a origem efectiva de uma expressão histórica e políticamente muito relevante. Diria mesmo, dramaticamente relevante.

9 Aug 2019

Portugal não é uma democracia (e ainda bem!)

Portugal não é uma democracia - tal como a conta que a EDP vos faz chegar não é a conta da luz. Portugal é uma república constitucional e a conta que a EDP vos faz chegar é a conta da electricidade. E não se trata, em nenhum dos casos, de mera semântica ou de um detalhe preciosista.

Uma democracia e uma república constitucional são modelos de governação muito diferentes - sendo que uma democracia se resume, "tout court", à vontade da maioria - o que significa, sem exagero e total correcção e alcance de definição, que em democracia se poderia, assim fosse a vontade da maioria num determinado momento, e.g., segregar por género ou região, ou qualquer outra arbitrariedade. Uma república por seu turno é um modelo com representantes eleitos e com uma constituição aceite, e com separação de poderes (legislativo,  judicial, executivo).

É a existência e o respeito desta constituição que garante um conjunto de direitos, individuais e colectivos, que impedem que as simples vontades das maiorias populares, ou seja a democracia, possam levar a "atropelos" em matérias tidas como fundamentais .

Parem, rogo-Vos, de usar amiúde e em toda a linha expressões como "em democracia" ou "democraticamente". Não vivemos, e ainda bem, numa democracia. E sim, parem também, por favor, de dizer a conta da luz. A EDP não fornece luz, fornece electricidade - que se pode transformar, por vossa despesa, operação e gestão, em várias coisas - como calor, frio ou iluminação.