25 Dec 2020

Pai Natal e Árvore Natal

Pintura original por Haddon Sundblom, EUA, 1931
A todos os que se insurgem contra a "importação" do "Halloween" dos EUA (ignorando, efectivamente, as suas origens celtas, pré-cristianismo, no evento de  Samhain), espero que mantenham os mesmos registos na rejeição da figura e culto do Pai Natal (uma promoção comercial da empresa americana Coca-Cola, encomendada à agência D'Arcy, e executada, em 1931, pelo criativo e ilustrador Haddon Sundblom) e da própria Árvore de Natal (uma apropriação da igreja católica, no século XVI, que remontam a um ritual pagão e do pré-cristianismo do Báltico e da Germânia, associado a vésperas do solstício de Inverno, com a colocação de oferendas sob o Carvalho de Odin).

13 Jan 2020

Dakar - acidentes, paragem de pilotos e tempo de prova

Tal como indica o captítulo 25.2, página 63, do regulamento Dakar 2020 (e em linha com os regulamentos anteriores), a assistência a pilotos acidentados por parte dos demais pilotos é obrigatória até à chegada dos meios de assistência e socorro - e o tempo decorrido em tal assistência não tem efeito para o tempo de prova.

A paragem é, reitera-se, obrigatória, devendo o piloto que a inicia colocar o GPS em modo "Sentinel" e comunicar com o controlo da corrida o acidente que encontrou. Esta paragem é obrigatória, até ao segundo piloto a cruzar o local, com dedução automática do tempo de paragem. Os demais pilotos, após estes, que interrompam a sua prova para a prestação de assistência suplementar, beneficiarão também, por acção, a pedido, junto direcção de prova, da possível dedução do tempo assim dispendido . Tudo devidamente consagrado em regulamento. Mais - o não cumprimento destas obrigações (i.e, de apoio ao piloto acidentado) está sujeita à aplicação de possíveis penalidades que emanam do Código Desportivo gerido pelo Júri Internacional da prova.

Aliás, o tema do "heroísmo" (e desconhecimento regulamentar) neste âmbito surgiu destacadamente em alguns "media" nacionais, em 2016, com o envolvimento do piloto português Paulo "Speedy" Gonçalves em assistência a um piloto acidentado.


8 Jan 2020

Síndrome de Atocha


Da esq.ª para a dir.ª: Ángel Acebes, José María Aznar,
Javier Arenas e Eduardo Zaplana
Recorde-se, há apenas 15 anos, o exemplo de José María Aznar, então primeiro-ministro de Espanha, 3 dias antes das eleições de 2004, a 11 de Março, aquando do atentado à bomba na estação de comboios de Atocha em Madrid (que ficaria conhecido como "11-M"). Com 193 mortos e 2.050 feridos, José Maria Aznar precipitou-se e declarou, pública e oficialmente, que perspectivava a acção como da responsabilidade da ETA (Euskadi Ta Askatasuna), o movimento separatista Basco. A acção foi então, após investigação das autoridades espanholas, associada a uma célula inspirada pela al-Qaeda (mas sem envolvimento da dita).

No dia seguinte ao ataque (o mais grave ataque terrorista de sempre em Espanha) o mesmo José María Aznar, e outros responsáveis do seu partido e do seu governo, clamavam, repetidamente, existir evidências do envolvimento da ETA - mesmo quando surgiam já as primeiras provas em contrário.

Recordem p.f. este exemplo antes de, perante um fenónemo criminal, assumirem, sem investigação e sem factos apurados, que o que aconteceu foi de uma certa forma e que os culpados foram uns certos senhores e não outros. Não se precipitem. A paciência é uma virtude, e os factos não são (i.e., não podem ser) uma destilação de intuição e preconceito.

7 Jan 2020

Austrália - Incêndios em meados do Século XIX

Procurando contextos e referências históricas, de fontes Australianas, face aos incêndios em curso na Austrália ao longo das últimas semanas, e que terão consumido já cerca de 6 milhões de hectares e provocado 2 dezenas mortos, recordo, há 168 anos, em meados do século XIX, os incêndios que ficaram conhecidos, na mesma geografia, como "Black Thursday", e que terão consumido cerca de 5 milhões de hectares e provocado 12 mortos. Números muito próximos e na mesma geografia, há 2 séculos.


"(...) The Victorian bushfire known as 'Black Thursday' occurred on 6 February 1851, though fires had been burning for some weeks, At 11am in Melbourne [Australia] the temperature was 47C in the shade with a hot wind blowing from the NNW. Fires raged out of control from Barwon Heads, Victoria, to Mount Gambier, South Australia, while the smoke haze spread as far as Tasmania. Approximately 12 people died and 5 million hectares – approximately a quarter of the state of Victoria - was burnt. Losses included one million sheep and thousands of cattle with many properties and communities destroyed. The fire affected the Wimmera, Portland, Gippsland, Plenty Ranges, Westernport, Dandenong and Heidelberg with extensive damage in Victoria’s Port Phillip district. (...)" in Australian Institute for Disaster Resilience (AIDR)



Painting "Black Thursday, February 6th. 1851" | Author / Creator: Strutt, William, 1825-1915, artist. Date [1864] Identifier(s) H28049 | Depicts mass of people fleeing bushfires, men on horseback, wagons of women and children, children running, panicked cattle; a thick pall of smoke overhead. oil on canvas ; 106.5 x 343.0 cm. | in State Library Victoria


"Study of bushfire homestead | Turner, painting, 1926 (...) The first bushfires to devastate colonial Victoria in 1851, were also some of the worst in colonial history. Careless use of fire in a very hot, dry summer, on a day with strong winds, led to fires that burnt a quarter of the land now within the state of Victoria. This resource, part of our “Natural Disasters in Australia” series, examines the causes and effects of these terrible fires. Quotes from survivors are also given, as a primary source. (...)" in OpenSTEM, Brisbane





24 Oct 2019

Catalunha e Espanha - Factos e Contextos

https://www.youtube.com/watch?v=v5lDYDPg2IA
Deixam-se abaixo alguns factos e contextos sobre Espanha, no âmbito relevado pelos acontecimentos das últimas semanas na capital da comunidade autónoma da Catalunha, Barcelona - e que emanam das acções e consequências do "referendo" de 9 de Novembro de 2014 nessa mesma comunidade.

Primeiro: a não existência de uma língua espanhola. Não existe. E não é, de todo, uma questão detalhística ou semântica - está definida clara e explicitamente no artigo 3.º da respectiva constituição de 1978, como sendo o castelhano ( "El castellano es la lengua española oficial del Estado" (sic) ). A língua oficial de Espanha não é, de facto, o "espanhol". Apesar de muito se repetir que assim é, o "espanhol" não existe sequer como língua no singular, mas antes no plural, i.e., línguas espanholas, e que abarcam, actualmente, além do castelhano, as outras três línguas oficiais das suas comunidades autónomas: catalão, basco e galego.

Bombardeamento de Barcelona, 17 de Março de 1938
Segundo: o facto de Espanha, há apenas 8 décadas, ter vivido uma devastadora e atroz guerra civil, de Julho de 1936 a Abril de 1939, ou seja ao longo de 2 anos e 8 meses, onde morreram dezenas de milhar (!) de pessoas. Barcelona, em particular, foi bombardeada, por meios aéreos, "importados" de Itália, de 16 a 18 de Março de 1938, acção de que resultaram 1.300 mortos e 2.000 feridos. Sem esquecer a memória de Guernica, deixada na arte de Pablo Picasso, retratando em tela o bombardeamento, a 26 de Abril de 1937, por meios aéreos "importados" da Alemanha, de tal localidade do País Basco, a cerca de 2 dezenas de quilómetros a leste de Bilbao.

Madrid, Palacio de las Cortes, 23 de Fevereiro de 1981
Terceiro: em 23 de Fev.º de 1981, conduzido pelo oficial Antonio Tejero, Espanha teve um Golpe de Estado, que ficou conhecido pelo "23-F". Este mesmo oficial conduziu 200 operacionais da Guarda Civil, armados, e tomou de assalto o Palacio de las Cortes em Madrid, durante a votação destinada a eleger o Primeiro Ministro, com disparos a terem sido efectuados em plena sala do parlamento. Em paralelo, sob comando do oficial Jaime Milans del Bosch, 2 mil homens e 5 dezenas de blindados, tomaram a sede do Ayuntamiento e o Tribunal de Valencia. O golpe viria a fracassar no dia seguinte, 24 de Fev.º . Este foi o golpe de estado cronologicamente mais recente na História e na Geografia da Europa Ocidental. Há apenas 3 décadas.

GAL e ETA
Quarto: o facto de Espanha apenas em 2018 ter deixado de ter, formalmente, a acção/existência de grupos armados independentistas. Recorda-se que a ETA ("Euskadi Ta Askatasuna"), formada em 1959, e com acções em prol da independência do País Basco, entre 1968 e 2010, que mataram mais de 800 pessoas, e, após vários períodos e anúncios de cessar fogo, apenas em 2018, decretou a sua total dissolução operacional. Não menos importante, e em resposta à ETA, recorda-se a existência dos GAL ("Grupos Antiterroristas de Liberación"), que durante o período conhecido como "La guerra sucia", de 1983 a 1987, resultaram na morte de 27 pessoas e ferimentos em 26. Ou seja, há escassas 3 décadas, luta armada em tornos de uma das comunidades autónomas de Espanha.

Ou seja, e permitido um breve "sumário-conclusivo": Espanha tem um passado, vivo e (muito) recente, de conflito interno e armado. Espanha não tem uma língua comum a todas as suas comunidades autónomas (que são 17) com tudo o que isso representa e implica. Não tratem o que está a suceder nas ruas de Barcelona, a capital de uma comunidade autónoma de Espanha, com um língua diferente, e com mais de 7 milhões de habitantes, e com um PIB superior a 200 biliões de EUR, que ocupa mais de 32 mil quilómetros quadrados, como uma pequena indisposição. E não confundam sintomas, nem os aligeirem, face a doenças. Graves. Letais.

12 Aug 2019

Detalhes e um passo ainda mais atrás...

A Sra. Raquel Varela, historiadora e investigadora, doutora em História Política e Institucional (ISCTE) e presidente da "International Association Strikes and Social Conflicts", escreve hoje, sobre a expressão em uso pelos representantes e associados do Sindicato dos Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) e do Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias (SIMM) como sendo "(...) o grito dos estivadores de Setúbal "Nem um Passo Atrás" (...)"

 - a expressão remonta a outro enquadramento, expresso na Ordem Executiva, assinada por I. Stalin, com o Número 227, datada de 28 de Julho de 1942 .

"(...) A partir de agora, a lei férrea da disciplina para cada agente, soldado ou comissário político deve ser ‘nem um passo atrás!’ sem ordens superiores. Comandantes de companhias, batalhões, regimentos ou divisões, tal como comissários ou oficiais políticos que retirem em debandada sem qualquer ordem superior são traidores da pátria. Vão ser tratados como traidores da pátria (...)"

Conhecido é que o cumprimento desta ordem levou a muitas execuções sumárias (milhares),  e em plena acção no campo de batalha.

Tal como conhecido é que o emissor desta mesma ordem executiva foi, apenas 3 anos antes, aliado estratégico e operacional da Alemanha no ataque à Polónia, e na ocupação dos estados bálticos, da Roménia e da Finlândia, em resultado do Pacto Molotov–Ribbentrop. Detalhes.

Destaco que me é, neste âmbito, totalmente irrelevante o tema sindical em presença. Apenas procuro evidenciar a origem efectiva de uma expressão histórica e políticamente muito relevante. Diria mesmo, dramaticamente relevante.

9 Aug 2019

Portugal não é uma democracia (e ainda bem!)

Portugal não é uma democracia - tal como a conta que a EDP vos faz chegar não é a conta da luz. Portugal é uma república constitucional e a conta que a EDP vos faz chegar é a conta da electricidade. E não se trata, em nenhum dos casos, de mera semântica ou de um detalhe preciosista.

Uma democracia e uma república constitucional são modelos de governação muito diferentes - sendo que uma democracia se resume, "tout court", à vontade da maioria - o que significa, sem exagero e total correcção e alcance de definição, que em democracia se poderia, assim fosse a vontade da maioria num determinado momento, e.g., segregar por género ou região, ou qualquer outra arbitrariedade. Uma república por seu turno é um modelo com representantes eleitos e com uma constituição aceite, e com separação de poderes (legislativo,  judicial, executivo).

É a existência e o respeito desta constituição que garante um conjunto de direitos, individuais e colectivos, que impedem que as simples vontades das maiorias populares, ou seja a democracia, possam levar a "atropelos" em matérias tidas como fundamentais .

Parem, rogo-Vos, de usar amiúde e em toda a linha expressões como "em democracia" ou "democraticamente". Não vivemos, e ainda bem, numa democracia. E sim, parem também, por favor, de dizer a conta da luz. A EDP não fornece luz, fornece electricidade - que se pode transformar, por vossa despesa, operação e gestão, em várias coisas - como calor, frio ou iluminação.